22/11/2008

D. João VI

Esta estória, caros leitores, começa como outra estória qualquer. Papel níveo, canetas ao alto e um lugar ao qual tenho pressa em chegar, mesmo sem saber se deverei rumar a sul ou virar a oeste na próxima página.

"Filho da puta" "Mal parido" "Gordo gonorrento"

Oito da noite e o vosso pequeno fidalgo já não merenda há dois dias. Não tenho qualquer maquia no bolso e a senhora puta dona minha mulher decide fazer este escarcéu no acanhado corredor da pensão central. Como conseguirei eu desenvencilhar-me desta xaropada. Meu príncipe, estás realmente refastelado na pior de todas as alcovas reais.

"Não dizeis nada meu grande filho de Puta" "Calas-te como sempre" "Sois um merdas"

A senhora puta, e todas as suas outras, continuam trinando os maiores impropérios contra a minha gordurosa pessoa. Não me importo com ela e muito menos com o que diz, mas o vosso distinto fidalgo já não come há dois dias. A penas tortas, eis que salta de assalto a Dona Patrocínia Almeida, toda ela também pulmões…

"Não pagais o arrendamento há duas semanas e fazeis esta opereta nesta residência de respeito, ponhais-vos na rua imediatamente"

Pusemo-nos imediatamente na alheta, a fidalguia e a senhora com terríveis comichões na crica. Ruidosa e pouco épica assim foi a última vez que a vi.

"Ide meu grandessíssimo paneleiro, nunca mais me porás os cascos em cima, nem tão pouco as vistas"

Sim, acho que sim. Seriam estas as últimas coisas que ouvi sair daquela bocaça de dragão, mais coisa menos coisa.

Arrastei a comitiva real pela rua direita, sem soldo, amigos e nem tão pouco a minha puta. Senti-me um acobardado D. João VI perdido num vastíssimo mar, mas que no meu caso se chamava jardim Botânico Pedro de Freitas e não tinha qualquer pinga de água ou até de nobreza.

Sentei-me com posse principesca ao leme da mais espartana das embarcações e estava pronto.

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